Eu sei que pode parecer extremamente egoísta, mas criei esse blog apenas para publicar o que escrevo sobre qualquer coisa: desabafos, opiniões avulsas, narrativas,fluxos de consciência e etc. É apenas na esperança de ser lido. Nunca vivi essa experiência,então achei que seria legal tentar.
O primeiro post é um texto bem intimista, meio que fluxo de consciência. É porquê minha vida mudou muito em alguns meses. Tentei traduzir.
Crônica da vida que corre
Ontem estava aqui. E havia todo esse espaço cálido, esse riso festivo, esse humor nostálgico, esse sentido de futuro que chamam juventude. E não foi sem querer que dei de lembrar tudo que incomoda, anestesia a vontade do hoje e desperta o desejo do ontem. Aquelas coisas voláteis que não voltam e evaporam-se nos vãos da memória.
Primeiro a infância de bairro. Meu mundo acabava ao fim do quarteirão e, ainda que o clichê seja enorme, nada traduz melhor aquela sensação de reduto limitado, explorável e seguro. As brincadeiras na rua, as cadeiras na calçada e o odor inexplicável de fim de tarde festiva que habitava meu ser. As quadras iguais, as datas iguais, as festas iguais e tudo aquilo que mais tarde seria enfado, mas ainda era expectativa. Também a aversão a Deus, não por uma razão específica, apenas por julgá-lo desnecessário e irrisório. Pensar nele consumia um tempo que poderia correr nas outras atividades dessa ciranda de ingenuidades.
Depois começou a transição. E aqueles quilos de leitura goela abaixo convenceram-me que ser feliz no bairro era ilusão, crença pequeno-burguesa- alienada. E queria apenas sair dali, ver além, muito mais do que poderia ou suportaria.
E enchi cadernos de colorir com lições de português: menino-prodígio, pequeno-notável, havia aí algo a confortar-me. O odor de tarde festiva deu lugar ao odor de café da manhã e os bonequinhos de plástico e as corridas na rua dividiam espaço com as preocupações de quem achava que crescer era sorrir um pouco menos.
Ainda havia jogos de carta, tardes inteiras em rodas nas calçadas, rindo de idiotices e esquecendo um pouco a utopia de levar-se a sério. E como zombávamos do tempo, era apenas inércia e aquela sensação calorosa de que, apesar da cidade, ainda era o bairro. E vivíamos os dias passarem num arrastar árido e paradoxalmente agradável. Mas como eles corriam e carregavam essa ciranda de crenças vãs.
E como foi irritante quando começou a pré-adolescência dos espaços claustrofóbicos. Em verdade, ela atingiu-me como um trem desembestado. Embarquei vendado e recusei-me a tirar a venda. E já não era legal ser prodígio no que eu era, e passar as tardes na calçada era passado, correr pelas ruas era cada vez mais solitário, estar no bairro era ridículo, legal era ser da cidade, do mundo e toda aquela utopia lírico- cosmopolita que me consumiu. E ler demais era inadequado, e conhecer poucas pessoas também, não ser amado por todas então era comum, mas naqueles tempos eu queria o incomum. Na verdade, nunca suportei o comum e o odor era o de início de noite, que eu tanto detestava.
Talvez por isso minha cidade não notou quando fechei-me em mim. E eu gritava para a minha cidade e nem meu bairro me respondia. E toda aquela coisa de perder o controle. PORRA, sempre odiei perder o controle. Era aquele afã de cair na noite, achar-se subversivo e dizer que bebeu e fez coisas inadequadas e isso era legal, porque era agressivo e todos adoravam dizer que violavam as fronteiras daquela mentalidade provinciana e daquelas aparências que os seus pais idolatravam enquanto conversavam nos chás de domingo. É claro que era tudo balela e a idéia era servir a essas aparências, reforçá-las e idolatrá-las, dizendo que desconstruíam-nas.
E eu que nunca fui bem nisso recuava cada vez mais. Voltava aos vídeo-games, à pilha de leituras, às revistas, aos desenhos, mas era tudo inadequação e fora de lugar, era tudo claustrofobia e era um caber que não se satisfazia. Apenas queria chorar e chorava interminavelmente. E toda essa ciranda avassaladora era de becos sem-saída.
Quando vi já achava que seria sempre tarde. Assim chegou a adolescência e o espaço ampliou-se um pouco. Ainda havia intermináveis minutos nessa brincadeira de lamentar-me odiosamente e havia mais da noite, ávida demais para mim. Só que já lançava-me, aceitava a exposição e ria do ridículo e redescobria que sorrir pouco era uma idiotice tamanha e reaprendia a sorrir e a amar meu bairro e toda a cidade, mesmo sem ser correspondido.
O primeiro beijo foi aquela alegria babaca, contudo bela demais só por aceitar sua babaquice. As garotas e suas fronteiras intransponíveis, para mim sempre fora assim, só que agora podia entrar pelos vãos e eles deixavam escapar o ar que arejava minha claustrofobia e voltava a acreditar-me um pouco adequado e o mundo podia me suportar.
E o odor da madrugada enchia meus pulmões de esperança, aquele descontrole saudável, não sei para onde vou, posso ir para onde quero e aquelas noites na praça novamente em roda bebendo e falando compulsivamente do futuro almejado. Saudades de poder acreditar nisso e era só fazer que chegaríamos lá e tinha novos amigos e nos julgávamos diferentes e algo legal esperava por nós, assim como por todos os outros seis bilhões de habitantes do planeta. Era a ciranda do futuro que puxava-me. E não havia resistência, eu achava que também era um de seus condutores.
Agora apenas sinto falta de todos os odores, espaços grandes e pequenos, a cidade e as memórias de minha vida. Há um oco sem tamanho, grande demais, incerto demais. Pude tolerar a claustrofobia do bairro, da inadequação, da praça do futuro, porque ainda sentia que algo de mim estava em minhas mãos. E havia um ligeiro conforto, ainda a segurança da criança cujo mundo terminava na esquina.
Resta o temer disso, a sensação de que a ciranda do futuro ficou deveras voraz e eu quero pedir um intervalo nessa brincadeira, mas ela não deixa. E o que é concreto se esfarela e tudo parece passar correndo na direção contrária, como aquelas imagens de fitas que eu rebobinava no video-cassete da minha verdadeira casa, quando ele ainda não era ultrapassado. Por hora sinto toda a minha existência ultrapassada e fora de moda. Só que me recuso a comprar o futuro.