Alguma utilidade?

Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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domingo, 13 de março de 2011

Sobre Ausência

Tratava-se daquilo que num instante estava ali e depois não estava mais. E se não estava, também se iam os planos e a rotina: sem cinema aos domingos ou viagem para a Irlanda daqui a cinco anos. Ele, só ele, apenas ele, estupidamente ele, também não queria mais ir para a Irlanda. Restava a invenção burguesa do amor-lacuna, insuficiência permanente. Maldito quebra-cabeça de duas peças que não vende em qualquer um e noventa e nove barato...
Ele nem sabia o porquê. Tudo na sua vida estacionado. Aí achou algo para completar a frase que ouvira aos cinco anos, quando seu avô morrera: “E se nada mais der certo...”
Desde então, resumira tudo ao exercício de terminá-la. E sempre encontrava alguma obsessão, estranho objeto do desejo que fica aí nesse lugar. Romantismo demais, Machado de Assis de menos. E ela estava ali: “E se nada mais der certo, ainda existem nós dois.” Que piegas...
Ela tinha olhos grandes, gostava de dizer que eram como os de Capitu: “de ressaca...” É, talvez o problema não fosse Machado de Assis de menos....fossem planos demais. Planos, o começo do fim. É como se escapa do presente sofrido, da rotina rolo-compressor: pensando no futuro. E ninguém está sozinho no futuro. Não, é quase como se a memória fosse conformada pelo ideal dos álbuns de casamento: grupos de pessoas sorrindo, ele e ela sorrindo....camadas e camadas plásticas demais para revestirem um frágil suporte de real.
E aí, é claro, viver no espaço da ausência. Não, isso ninguém lhe ensinara: nem os românticos, nem os álbuns de casamento. Convenceram-lhe que há o vazio, passível de ser preenchido. Mas e se, depois de experimentar a ilusão de preenchê-lo, souber que, a partir de então, será sempre e até o fim dos dias, apenas o vazio? Ele tentou começar o trabalho reverso: aceitar que isso é uma mentira, que há muitas peças e que há quebra-cabeças em qualquer um e noventa e nove barato.
Até trocar algumas palavras com ela (outra) na sala de espera do médico. “E se nada mais der certo, ainda virei no médico toda semana.” E há mais da falsa sensação de completude, ausência perpétua mascarada em enganosos tons de rebuscamento. Sabia disso, mas preferia errar sempre e mesmo assim, conformado a perder-se novamente naqueles olhos de ressaca...