Chico Buarque se despede e se
ressente de um Brasil que vai e permanece em sua homônima canção “Bye, Bye,
Brasil”. No meio de uma das estrofes centrais, escapa o verso que, de alguma
forma, desliza por toda a melodia: “Tenho saudades de nossa canção,/ Saudades
de roça e sertão.” Há um quê de distância afetuosa e intransponível, o
sentimento de ausência por um lugar geográfico que também é um passado ao qual
não se volta.
A
canção é de 1979, composta para o filme de mesmo nome, dirigido por Cacá
Diegues. O fato é que, para mim, essa será sempre a canção de “Central do
Brasil”, um filme do qual muito ouviu falar minha geração. A película de Walter
Salles, de 1998, permanecia na minha memória como uma das minhas favoritas. Mas
a verdade é que já tinha esquecido o motivo.
Irônico
que a tenha assistido novamente exatamente no Dia dos Pais: já é clichê a tese
de que o filme retrata uma das matrizes constituintes da identidade do povo
brasileiro, a qual seria a de que somos um povo a procura de um pai. O ponto é
que, se o clichê persiste, é porque explica, e muito, sobre nós.
O filme é,
antes de tudo, de uma beleza pungente. Gosta de belas imagens, até quando
mostra o abandono: o abandono de um menino sem pai e também o abandono de um
país que se esqueceu de onde veio.
Central do
Brasil é o nome de uma estação: por excelência, o lugar das coisas que vão e,
ao mesmo tempo, permanecem. Também há o radical da palavra “central”, que diz
algo da essência do roteiro. De certa forma, o filme é sobre uma viagem ao
centro de nossa nação: não aquele centro geográfico, mas o centro constituinte,
aquele do qual nos afastamos tanto até que esquecemos o caminho de volta. Ou
nos tornamos impossibilitados de voltar. Assim como filhos abandonados pelo
pai. Ou que foram para tão longe de casa que só conseguem endurecer e calar nas
noites frias... Endurecer e fingir que não têm esperança na volta. Como faz
Dora. Ou procurar sempre voltar, mesmo sabendo que não há mais nada lá. Esse é
o menino Josué.
Ainda há a
terceira alternativa, que é a união perfeita dos dois: a transitoriedade da
estrada, que busca e para, que desvia e volta, mas que sempre representa uma
saída possível àqueles que vivem com saudade. Nação órfã, temos saudade do que
deixamos para trás. Não à toa, as duas últimas frases da carta de Dora, na cena
que encerra o filme, retomam a música de Chico Buarque e sempre ecoarão fundo
em nós: “Tenho saudades do meu pai. Tenho saudades de tudo.”