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Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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domingo, 12 de agosto de 2012

Sobre identidade e orfandade


          Chico Buarque se despede e se ressente de um Brasil que vai e permanece em sua homônima canção “Bye, Bye, Brasil”. No meio de uma das estrofes centrais, escapa o verso que, de alguma forma, desliza por toda a melodia: “Tenho saudades de nossa canção,/ Saudades de roça e sertão.” Há um quê de distância afetuosa e intransponível, o sentimento de ausência por um lugar geográfico que também é um passado ao qual não se volta.
            A canção é de 1979, composta para o filme de mesmo nome, dirigido por Cacá Diegues. O fato é que, para mim, essa será sempre a canção de “Central do Brasil”, um filme do qual muito ouviu falar minha geração. A película de Walter Salles, de 1998, permanecia na minha memória como uma das minhas favoritas. Mas a verdade é que já tinha esquecido o motivo.
           Irônico que a tenha assistido novamente exatamente no Dia dos Pais: já é clichê a tese de que o filme retrata uma das matrizes constituintes da identidade do povo brasileiro, a qual seria a de que somos um povo a procura de um pai. O ponto é que, se o clichê persiste, é porque explica, e muito, sobre nós.
O filme é, antes de tudo, de uma beleza pungente. Gosta de belas imagens, até quando mostra o abandono: o abandono de um menino sem pai e também o abandono de um país que se esqueceu de onde veio. 
Central do Brasil é o nome de uma estação: por excelência, o lugar das coisas que vão e, ao mesmo tempo, permanecem. Também há o radical da palavra “central”, que diz algo da essência do roteiro. De certa forma, o filme é sobre uma viagem ao centro de nossa nação: não aquele centro geográfico, mas o centro constituinte, aquele do qual nos afastamos tanto até que esquecemos o caminho de volta. Ou nos tornamos impossibilitados de voltar. Assim como filhos abandonados pelo pai. Ou que foram para tão longe de casa que só conseguem endurecer e calar nas noites frias... Endurecer e fingir que não têm esperança na volta. Como faz Dora. Ou procurar sempre voltar, mesmo sabendo que não há mais nada lá. Esse é o menino Josué.
Ainda há a terceira alternativa, que é a união perfeita dos dois: a transitoriedade da estrada, que busca e para, que desvia e volta, mas que sempre representa uma saída possível àqueles que vivem com saudade. Nação órfã, temos saudade do que deixamos para trás. Não à toa, as duas últimas frases da carta de Dora, na cena que encerra o filme, retomam a música de Chico Buarque e sempre ecoarão fundo em nós: “Tenho saudades do meu pai. Tenho saudades de tudo.”