Alguma utilidade?

Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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sábado, 20 de abril de 2013

Sobre a temperatura humana


               Você já pensou sobre corpos que se abraçam na madrugada improvável? Andei pensando muito sobre madrugadas improváveis, caro amigo, bem como sobre a alta probabilidade dessas horas escuras, impassíveis e quentes. Quentes na temperatura humana. Digo temperatura, pois não gosto da ideia de calor humano. O calor sequer é uma propriedade dos corpos, tem essência transitória. Na temperatura própria do humano (e isso nem é de medida objetiva, gosto de pensar que somos de temperatura irmã dos febris e hipotérmicos também), dois corpos não trocam calor, apenas colocam suas temperaturas lado-a-lado, dividem aquilo que é propriedade mais intrínseca do atual estado de seus descaminhos.                                     
         Essa ideia, sei bem o que pensas amigo, pode soar mais solitária. A mim, também soa mais permanente, revestida pelo silêncio de eternidades que só o tem as madrugadas: ainda só, aproximamos infinitesimalmente nossa temperatura da do corpo semelhante e, com essa aproximação, não destruímos a integridade dele (nem a integridade da dor, nem a da solidão, nem a da beleza), mas chegamos o mais perto possível de entender o alheio sem invadi-lo, como se fosse o genuíno ato de solidariedade. Aproximamos tanto que ficamos a um sopro de tocar o espaço de vertigem ao lado, mas nunca o fazemos. Ainda bem, mal damos conta da nossa vertigem. Bem sabemos como essa distância irrisória dói, mas é essencial.
              
           Vemos o abismo de solidão que nos cerca, mas acenamos para o semelhante do outro lado dele. Talvez combinemos um horário na mesma madrugada para vermos a mesma lua e lembrarmos que sentimos o mesmo abandono e aconchego quando olhamos o céu vazio e nos damos conta de que nem a temperatura de todos os humanos somados aumentaria sequer um grau centigrado do frio galáctico do universo infinito. Sobre isso, velho amigo, andei pensando que no espaço humano, quase inexistente, que se coloca entre as temperaturas de dois corpos lado-a-lado, algum atrito talvez acenda uma fogueira. E fogueiras, em noites serenas de almas silenciosas, têm o poder de trazer paz. Essa bela imagem, quase soprada aos meus ouvidos numa madrugada improvável, deu-me um esboço da beleza da nossa condição: quase ouvi a madrugada, peguei um sussurro espaçado ao redor. Lembrei que, muitas vezes, é fácil ser feliz ao lado do abismo: basta parar de olhar para baixo e olhar para frente.