Alguma utilidade?

Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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sexta-feira, 24 de junho de 2011

Sobre aquele espaço de limbo

Parafraseando Zeca Baleiro, estava achando a vida tão chata. E só. Mais solitário que um elevador, agora, ao menos, posso torcer para enguiçar no mesmo andar que você. Não, você não entende. Eu não entendo. A minha vida no meio. E um enorme medo de que o futuro escorra pelos cantos sinuosos de um presente abarrotado de tudo que não foi.
E nesse espaço de limbo, sobra tédio. No café da manhã, no almoço. E um pouco de você. Para curar o tédio, para tirá-lo da mesa e trocá-lo pela sobremesa. Sim, passar direto à sobremesa e fugir da rotina.
Assim, mudo a “playlist”, abandono Zeca Baleiro e coloco Titãs. E, enquanto não sei para onde vou e aonde tudo isso vai dar, pelo menos posso cantar os primeiros versos de “Pra dizer adeus”. Sim, “você apareceu do nada” e, sim, “você mexeu demais comigo.” Em tempos de muitos registros e escassez de memórias, é das poucas verdades que sei.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre humanidade e barreiras

Ninguém mais se lembrava como foram erguidos. Alguns diziam que sempre existiram e a sina do ser humano era conformar-se com a sua presença. E faziam imensa propaganda dessa bandeira a quatro cantos. Outros queriam derrubá-los a qualquer custo, convictos de que não era lógico que vivessem entre barreiras. Por fim, a imensa maioria ignorava a presença deles, conquanto suas sombras colossais ofuscassem os sujeitos e turvassem os caminhos.
Tudo começou com o grande medo. Em cada cidade, vila, aldeia, casa...em cada ser, surgiu a suspeita. Não poderia estar tudo bem. Em algum lugar dentro de si, todos estavam convictos de que a felicidade era tão precária e efêmera quanto insignificante para outrem e, portanto, se havia um estado de calma, ele logo deveria acabar. A partir daí cresceram os boatos sobre a tenebrosa ameaça externa. Era inominável, inclassificável e incompreensível, contudo viria de muito longe engolfar para sempre toda a alegria entre os humanos.
Então iniciaram-se os conflituosos debates. Cada qual paralisado pelo medo, deixava guiar-se pelo instinto de sobrevivência na busca de uma solução. E as reuniões entre os grandes líderes resultaram numa conclusão tão onerosa quanto ridícula frente a um problema desconhecido: o melhor era erguer muros, enormes e rijos. Se era uma ameaça externa, não perpetuar-se-ia entre eles.
E assim, em meio ao medo, nuvens de concreto, o peso das vigas de aço e a náusea provocada pelo desconhecido, levantaram-se os alicerces dos primeiros muros. No início, todos deliraram de alívio, pois parecia a solução correta para o grande medo. Contudo, com o tempo percebeu-se que ele ainda estava ali, e nem a imagem dos muros, tornando-se cada vez mais imponentes e assustadores, era capaz de expulsá-lo.
Realizaram-se novas convenções e não adotou-se uma mudança de postura. Assim, geração seguida de geração empenhava-se na construção de novas muralhas e na elevação das antigas. A prática foi tornando-se milenar e tradicional, de forma que ninguém mais sabia que surgira para combater o grande medo, já plenamente assentado e onipresente em cada canto do planeta. Logo, tal prática já não era mais condicionada pela razão e acomodou-se no inconsciente coletivo da humanidade, tornando-se contínua e imperceptível. Muros e barreiras surgiam em cada ação, mas a maioria das pessoas ia perdendo a capacidade de perceber tal fato.
Alguns sábios, nos vãos perdidos entre os volumes da história, tentaram formular outra hipótese: o grande medo não vinha de fora, e sim de dentro do ser humano, o que confirmaria a inutilidade dos muros. Gritavam desesperadamente para abrirem os olhos, pois um dia aquela fortaleza de concreto e vigas de aço, erguida sob os signos do tédio, da náusea e do medo, desabaria sobre todos, sepultando um mesquinho sonho de grandeza. Contudo, todos esses sábios, sem exceção, foram perseguidos e calados. A grande maioria restante dos humanos não queria aceitar que sua única habilidade nata, a de criar divisões, surgiu de uma conclusão errada e perpetuou-se por milênios sem nenhuma utilidade prática.
No fim dos tempos, não sobrará ninguém para atestar a lucidez dos sábios. Mas sim, a fortaleza irá desabar. E aqueles que a defendem ou ignoram, arruinar-se-ão entre suas ruínas. E a nuvem de concreto e o barulho das vigas de aço caindo levarão a parcela restante a um último instante de caos silencioso ante o deslumbramento que precede o fim. E sob as os restos de todos os grandes muros, estará enterrado para sempre o último resquício de humanidade, finalmente livre do grande fardo e do grande medo.

Sobre a Cidade Maravilhosa

E no mar estava escrita uma cidade.” Depois Drummond, nada mais deveria ser dito. Mas a gente tem mania de dizer o que não deve, então completo: e depois do Rio, nenhuma outra foi escrita. Não havia traçados melhores. E o mar se impôs, irresoluto em sua completude. Dele é a matéria de que é feita toda a Cidade Maravilhosa.
De mar é o burburinho que se eleva das ruas, a conversa quente e abafada no centro pulsante. Tem cheiro de mar a história marcada em cada um dos monumentos históricos.
De mar é a favela que se acende à noite, irregular como o formato das ondas: sempre indiferentes e magnetizadas pela praia. De mar é o jeitinho carioca, embrião do brasileiro, vago, manhoso e meio traiçoeiro, como o movimento das marés.
De mar é o calçadão de Copacabana, mar que invade o concreto, está nas havaianas e bermudas. Ipanema, suas muitas garotas, seus hotéis também: inacessíveis e desejados como o mar. De mar é o céu alaranjado avistado no mirante do Leblon, o Pão de Açúcar sendo engolfado pela escuridão da noite. E o Corcovado, solitário. Como o mar.
A Barra, sua classe média meio insegura: tem o mar na barriga. Tem mar nessa multidão de múltiplas origens, furiosa e arrebatadora.
De mar é o Cristo, braços abertos, decidido a abraçar o próprio mar, certo da sua impotência ante a hercúlea tarefa. E se cala. Cristo e o mar. Também não acreditam na beleza do que fizeram. Preferem não falar. E a serenidade de seu silêncio é a mais expressiva descrição da Cidade Maravilhosa.