Life
has come a long way since yesterday I say
And it’s not the same old thing over again I say
And it’s not the same old thing over again I say
(Ziggy
Marley – True to Myself)
Para você
Foi
capturado por uma imagem: o pôr do sol sobre o mar, que o mundo roesse suas
velhas engrenagens lá fora e ao seu redor, que sua pureza já tivesse se esvaído
e pouca ilusão restasse sobre si mesmo e que o pôr do sol e a praia fossem
solidão e melancolia tão somente, ele jamais dexaria de gostar demais do
laranja que envelhecia e sumia longe, corria embora do mar e da vista, contando mais
da passagem do tempo do que todos aqueles anos abarrotados de cansaço sobre seu
ombro, pois de cansaço ele entendia, ele que vivia sempre cansado, não sabia quando comecou,
nem por que não passava, sequer gostava do próprio cansaço, até porque entendia
seus privilégios e era grato por eles, mas no fim sempre venciam o tempo e a
noite, aquela certa falta de vida pelo excesso dela mesma, a sensação de ter
deixado de pensar sobre várias coisas que ele devia ter pensado no dia, a
certeza de estar se distanciando de si mesmo e da própria humanidade: ah, isso
seria curado pelo pôr do sol sobre o mar, a vida se alongando mais do que a
realidade permitia, a preguiça lírica renovando certezas perdidas, mas nada
disso sozinho, não sozinho, nem existiria tal ideia e tal fenômeno se fosse
talhado apenas para um, isso só com você, porque você é também o pôr do sol
sobre o mar, embora seja vivo e se mova para longe da costa, você também sabe
bem dos tempos que se alongam, de toda energia que se perde quando se está
longe da delicadeza e de toda beleza que não se vê quando vivemos de costas
encostadas um com o outro, sem jamais nos olharmos nos olhos, sem jamais fitarmos
o grande halo laranja sobre o mar, ignorando a vida que só é intensa e forte
quando assistimos a esse espetáculo juntos, quando contemplamos a intensidade de
estar em nós, já que então podemos nos perder um pouco na ilusão necessária de
que recuperamos todo tempo perdido e não haverá mais aquela imensa fadiga dos
poucos muitos anos já gastos sem chegar a lugar nenhum, e todo tecido de vida apodrecido por divertidas
risadas cínicas é renovado e, por alguns minutos, podemos nos fingir certos de
que a vida é tão larga e generosa como a imensidão azul salpicada de laranja
febril, o vento leve acariciando nossa face, o mar infinito no qual nós cabemos,
e, por óbvia extensão, o mundo inteiro também.