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Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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domingo, 25 de novembro de 2012

Sobre a Terceira Margem e alegrias roubadas


        Eu tinha uns quinze anos quando ouvi falar da Terceira Margem pela primeira vez. Estava lá, no conto de Guimarães Rosa, a história de um homem que abandona família, filhos e vida antiga, constrói uma canoa de madeira e muda-se para um rio. Não para a margem direita, nem para a esquerda, quanto menos adiante ou atrás. Sua canoa está no meio do curso, ao limbo, ao sabor de uma correnteza fraca demais para impeli-la ao fim. Ali ele passa sua vida até os derradeiros dias.
O que me lembro da primeira leitura é o estranhamento. E depois  a súbita certeza de que eu sabia o que era a Terceira Margem. Tratava-se agora de construir uma canoa. Veja bem, meu caro leitor, não foram fáceis os quinze anos. Como não o são os vinte, como não são interessantes os tempos em que sente-se obsoleto num mundo feito para você: o jovem dinâmico. A mim, restava aquele silêncio insondável de noites solitárias em urbe pequena, aquela alienação torturante que na vida também é, para lembrar Drummond, “porosidade e comunicação.”
Assim, não tenho saudades de nada, porque sempre tenho saudades de tudo, até do que não vivi. E por isso fervo muito e estou sempre meio trôpego: se a Terceira Margem diz algo, ela diz das águas que acalantam e lavam para aliviar o corpo que se expôs demais ao sol. Sim, a minha Terceira Margem é aquela dos espaços secretos com janelas indiscretas: espaços meus e tão pequenos que, só pela sensação de caber neles, fazem-me sentir adequado. Espaços de palavras e memórias, alegrias colecionadas meticulosamente entre estações de mesmice egoísta.
Agora não torço mais para não sofrer, não peço mais para não enfrentar: a verdade é que talvez ainda não tenha sofrido o suficiente para me tornar uma pessoa da qual me orgulharia um pouco de ser. Peço por mais madeira para a canoa da Terceira Margem, aquela que ficará estacionada no limbo e por alguns instantes roubados (que não estarão dentro da contagem cronológica do tempo, pois são instantes de lenda) me trará todo o aconchego, toda delicadeza agressiva e toda a agressividade delicada para terminar a travessia nos derradeiros dias.
Com pouco tempo, descobri que todas as madeiras são tão somente memórias de pessoas, a forma como elas vivem em nós. Ontem tive a súbita certeza que até agora você é uma das mais fortes, uma das poucas que não entrará em decomposição com o corrosivo amargo de tempo cético trazido pela vida. E esse texto é só para dizer isso, uma confissão urgente, um necessário registro sobre tempos cuja alegria ingênua precisará de provas para ser revisitada no futuro.