Alguma utilidade?

Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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quinta-feira, 25 de setembro de 2014

Fadiga

Perguntaram-me sobre minha fadiga, mas não soube defini-la. Tentei fadiga na alma, algo como articulações de esperança gasta e a osteoporose do cinismo melancólico tomando conta de tudo. Mas isso se parece com a descrição de um idoso de vida difícil, algo distante demais da minha realidade. Contudo, tenho fadiga. Fadiga até de pensar sobre a fadiga, uma vontade de voltar sempre aos espaços mesmos, de readquirir o direito de se enrolar em cobertores de tédio e segurança. Quando regresso, contudo, fecho os olhos e, mais uma vez, me acabo.
                Encontro paz só quando visualizo você, em qualquer lugar sereno, algum barulho da experiente harmonia ao fundo, nós dois tentando entender porque tantas vezes desencontramos caminhos, porque insistimos em torcer e contorcer os espaços que unem e separam. E ali, nesse delírio onírico de quem nunca se lembra da última vez em que sonhou dormindo, parecemos idosos de verdade, cansados, mas sábios. Fatigados, mas tranquilos.
                Até lá tem muita vida, e isso me assusta. Até porque você sou eu mesmo (ou eu mesma, ainda me pergunto quantos femininos cabem no irredutível e estéril masculino) tentando exercitar as articulações da esperança e recuperar a alma. A tarefa anda parecendo tão difícil, odeio decisões e sinto-me mais medroso. Tão medroso quanto infantil, receoso de um futuro que não existe, saudoso de um passado que não tive. O presente, só fadiga e promessa. Menos promessa, promessa é futuro e futuro é oco como os ossos esburacados da alma.
                No mais, sinto-me fraco, insuportavelmente fraco para quem já devia ser homem, para quem deveria agora exibir o auge do vigor e todas as promessas no olhar. Não o menino completo, aquele que não quer sair de si mesmo, que é brutal sem conseguir assumir a brutalidade, que entende da natureza da violência da vida e prefere ignorá-la. Ignorar pela esperança de haver outras saídas. Ou pelo prazer de lutar por causas perdidas que mais dizem de si do que do mundo.
                Pouco ajuda a sensação de que vivo, conforme diria a icônica música dos Engenheiros do Hawaii, num “país sedento num momento de embriaguez”. Num momento em que parece que todas as opções são uma só: escolher com ódio e cinismo. Como entregar o futuro ao cinismo? E, pela primeira vez, não tenho mais certeza se existe uma opção que contorne tudo, que abra espaços flexíveis nas distorções que produzimos entre nós, eu e eu mesmo, eu e você, eu e um país, um indivíduo e os outros, uma sociedade e eu, um emaranhado de espaços e chances que vão ficando menores, um leque de escolhas que parece tão reduzido. E, ainda assim, novamente canso-me com a perspectiva de ter de escolher, de procurar bifurcações, de abrir estradas no leito seco da vida.

                Abalo-me com tudo e tão à toa que também aprendi a odiar intensamente meu “ar blasé” e minha melancolia. Odeio o sem sentido de se procurar sentido, quero esse lugar leve, quero as duas metades de mim, quero o silêncio contemporizador ao menos uma vez, para curar-me dessa idade suja, desse tempo rancoroso, desse local em que pertencer é ódio e cinismo, dessa fadiga de andar em círculos desesperado e começar a perceber que o combustível uma hora acaba, talvez antes que eu seja capaz de encontrar um pit-stop. Um peão que não para de rodar é só vertigem jogada fora, uma contribuição danosa à entropia metafísica de existir: fadiga. Não de corpo. De alma. Talvez do excesso de nada.