Perguntaram-me sobre minha
fadiga, mas não soube defini-la. Tentei fadiga na alma, algo como articulações
de esperança gasta e a osteoporose do cinismo melancólico tomando conta de
tudo. Mas isso se parece com a descrição de um idoso de vida difícil, algo
distante demais da minha realidade. Contudo, tenho fadiga. Fadiga até de pensar
sobre a fadiga, uma vontade de voltar sempre aos espaços mesmos, de readquirir o
direito de se enrolar em cobertores de tédio e segurança. Quando regresso,
contudo, fecho os olhos e, mais uma vez, me acabo.
Encontro
paz só quando visualizo você, em qualquer lugar sereno, algum barulho da
experiente harmonia ao fundo, nós dois tentando entender porque tantas vezes
desencontramos caminhos, porque insistimos em torcer e contorcer os espaços que
unem e separam. E ali, nesse delírio onírico de quem nunca se lembra da última
vez em que sonhou dormindo, parecemos idosos de verdade, cansados, mas sábios.
Fatigados, mas tranquilos.
Até
lá tem muita vida, e isso me assusta. Até porque você sou eu mesmo (ou eu
mesma, ainda me pergunto quantos femininos cabem no irredutível e estéril
masculino) tentando exercitar as articulações da esperança e recuperar a alma.
A tarefa anda parecendo tão difícil, odeio decisões e sinto-me mais medroso.
Tão medroso quanto infantil, receoso de um futuro que não existe, saudoso de um
passado que não tive. O presente, só fadiga e promessa. Menos promessa,
promessa é futuro e futuro é oco como os ossos esburacados da alma.
No
mais, sinto-me fraco, insuportavelmente fraco para quem já devia ser homem,
para quem deveria agora exibir o auge do vigor e todas as promessas no olhar.
Não o menino completo, aquele que não quer sair de si mesmo, que é brutal sem
conseguir assumir a brutalidade, que entende da natureza da violência da vida e
prefere ignorá-la. Ignorar pela esperança de haver outras saídas. Ou pelo
prazer de lutar por causas perdidas que mais dizem de si do que do mundo.
Pouco
ajuda a sensação de que vivo, conforme diria a icônica música dos Engenheiros
do Hawaii, num “país sedento num momento de embriaguez”. Num momento em que
parece que todas as opções são uma só: escolher com ódio e cinismo. Como
entregar o futuro ao cinismo? E, pela primeira vez, não tenho mais certeza se
existe uma opção que contorne tudo, que abra espaços flexíveis nas distorções
que produzimos entre nós, eu e eu mesmo, eu e você, eu e um país, um indivíduo
e os outros, uma sociedade e eu, um emaranhado de espaços e chances que vão
ficando menores, um leque de escolhas que parece tão reduzido. E, ainda assim,
novamente canso-me com a perspectiva de ter de escolher, de procurar
bifurcações, de abrir estradas no leito seco da vida.
Abalo-me
com tudo e tão à toa que também aprendi a odiar intensamente meu “ar blasé” e
minha melancolia. Odeio o sem sentido de se procurar sentido, quero esse lugar
leve, quero as duas metades de mim, quero o silêncio contemporizador ao menos
uma vez, para curar-me dessa idade suja, desse tempo rancoroso, desse local em
que pertencer é ódio e cinismo, dessa fadiga de andar em círculos desesperado e
começar a perceber que o combustível uma hora acaba, talvez antes que eu seja capaz
de encontrar um pit-stop. Um peão que não para de rodar é só vertigem jogada
fora, uma contribuição danosa à entropia metafísica de existir: fadiga. Não de
corpo. De alma. Talvez do excesso de nada.