Você sabe que
está na hora de pensar sobre o velho dilema do crescimento quando começa a
temer reuniões familiares. Aquela sua tia meiga, que sempre lhe fazia doces?
Então, agora ela é uma senhora assustadora e imponente, ávida por comentar e
julgar a vida dos outros e eficiente em ensair seu melhor sorriso antes de lhe
dirigir a clássica pergunta: “O que você está fazendo da vida?”
Daí primeiro
vem a vontade de mandar aquele
curto e simples: “PORRA ALGUMA”. Mas você está ciente de que não pode, o
orgulho não deixa e você mal conseguiria acordar no dia seguinte se dissesse
isso. O reflexo social imediato e a melhor norma de polidez vencem e você
também devolve seu melhor sorriso antes da resposta, cujo conteúdo geralmente
versa sobre seu curso de graduação ou trabalho atuais.
No fundo, você
entende que a resposta correta é aquela que foi barrada pelas regras de
etiqueta (e também ta pela imagem mental da cara que sua avó faria se você
proferisse tal impropério à mesa). Sim, “PORRA ALGUMA” não é uma má
constatação. Você pode estar na faculdade dos sonhos, ter tido um grande tempo
para pensar no que fazer, não sofrer imensas pressões para adquirir completa
autonomia financeira: o fato é que, entre os vinte ou trinta, o abismo da
insegurança é a constante mais sedutora da sua vida. Às vezes, parece que está
tudo indo na direção planejada, só que ainda falta algo. Ou parece que tudo
está indo na direção errada, então falta tudo.
Todavia, resta
a falta. Crescer é sentir a completude da falta. Falta dos pais, da segurança
da casa, da indulgência por ser criança...
Mas também falta de confiança nos próprios planos, até na própria idéia de
fazer planos. É como se a vida fosse uma grande brincadeira de pique-esconde e
o teatro social representasse todos os participantes. O teatro social te deixa
ser copo de leite por muito tempo. Daí, repentinamente, a regra muda e você
pode ser pego. Sendo pego, terá que começar a contar e esperar que todos
encontrem seus melhores esconderijos, pois você não é mais copo de leite. Não
pode mais ser pego e continuar se escondendo: uma vez encontrado, você também
terá de ser algoz de alguém.
Só que você
não quer ser algoz. Porque tudo parece irracional desse jeito. E é. Entretanto,
já passou da fase na qual você ainda podia ser rebelde. Daí a chance é se
enquadrar e fazer planos e ir a reuniões de família e treinar sorrisos e se
sentir perdido e chorar com vergonha e calado para que ninguém veja. Você não
quer ser o perdedor chorão. Até porque não vai adiantar. Você não é mais copo
de leite e até se orgulha disso: todas as chances de se fazer por si mesmo.
Contudo, às vezes tem saudade de quando cada derrota custava apenas alguns
doces a menos.
E CARAMBA,
agora elas custam tanto e tão mais demoradamente que você não quer entrar na
contramão. E você entra uma, duas, três e muito mais vezes do que gostaria. No
fim, você leu muitos livros, viu inúmeros filmes sobre isso e deveria ser
maduro emocionalmente e levar na boa. É claro que você não leva. Crescer é
legal ao fim de cada processo, quando se olha para trás e se diz: “Nossa, eu
sobrevivi”. Mas durante o lance todo, quando não há nenhuma garantia, crescer é
uma DROGA.
Não há muito
antídotos: é quase parte daquilo que se
chama ciclo da vida. O negócio é arrumar alguns facilitadores. Como as imagens
congeladas no tempo, certos momentos que atam o passado e o presente e dão
aquele falso e necessário sentido de completude da vida, descansando um pouco a
constante falta que é o crescer. Hoje tive a minha predileta: amigos ao redor
da mesa, rindo da mesma piada de sempre, esquecendo a piada após a gargalhada,
tão crianças querendo brincar de adultos, tão adultos saudosos de serem
crianças...
Na cabeça,
apenas o verso da primeira música que me lembro de ouvir na tenra infância:
“(...) São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer...”. Acho que até posso perdoar minha tia agora...