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Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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domingo, 8 de julho de 2012

Sobre crescimento e o medo de reuniões familiares


Você sabe que está na hora de pensar sobre o velho dilema do crescimento quando começa a temer reuniões familiares. Aquela sua tia meiga, que sempre lhe fazia doces? Então, agora ela é uma senhora assustadora e imponente, ávida por comentar e julgar a vida dos outros e eficiente em ensair seu melhor sorriso antes de lhe dirigir a clássica pergunta: “O que você está fazendo da vida?”
  Daí primeiro  vem  a vontade de mandar aquele curto e simples: “PORRA ALGUMA”. Mas você está ciente de que não pode, o orgulho não deixa e você mal conseguiria acordar no dia seguinte se dissesse isso. O reflexo social imediato e a melhor norma de polidez vencem e você também devolve seu melhor sorriso antes da resposta, cujo conteúdo geralmente versa sobre seu curso de graduação ou trabalho atuais.
No fundo, você entende que a resposta correta é aquela que foi barrada pelas regras de etiqueta (e também ta pela imagem mental da cara que sua avó faria se você proferisse tal impropério à mesa). Sim, “PORRA ALGUMA” não é uma má constatação. Você pode estar na faculdade dos sonhos, ter tido um grande tempo para pensar no que fazer, não sofrer imensas pressões para adquirir completa autonomia financeira: o fato é que, entre os vinte ou trinta, o abismo da insegurança é a constante mais sedutora da sua vida. Às vezes, parece que está tudo indo na direção planejada, só que ainda falta algo. Ou parece que tudo está indo na direção errada, então falta tudo.
Todavia, resta a falta. Crescer é sentir a completude da falta. Falta dos pais, da segurança da casa, da indulgência por ser  criança... Mas também falta de confiança nos próprios planos, até na própria idéia de fazer planos. É como se a vida fosse uma grande brincadeira de pique-esconde e o teatro social representasse todos os participantes. O teatro social te deixa ser copo de leite por muito tempo. Daí, repentinamente, a regra muda e você pode ser pego. Sendo pego, terá que começar a contar e esperar que todos encontrem seus melhores esconderijos, pois você não é mais copo de leite. Não pode mais ser pego e continuar se escondendo: uma vez encontrado, você também terá de ser algoz de alguém.
Só que você não quer ser algoz. Porque tudo parece irracional desse jeito. E é. Entretanto, já passou da fase na qual você ainda podia ser rebelde. Daí a chance é se enquadrar e fazer planos e ir a reuniões de família e treinar sorrisos e se sentir perdido e chorar com vergonha e calado para que ninguém veja. Você não quer ser o perdedor chorão. Até porque não vai adiantar. Você não é mais copo de leite e até se orgulha disso: todas as chances de se fazer por si mesmo. Contudo, às vezes tem saudade de quando cada derrota custava apenas alguns doces a menos.
E CARAMBA, agora elas custam tanto e tão mais demoradamente que você não quer entrar na contramão. E você entra uma, duas, três e muito mais vezes do que gostaria. No fim, você leu muitos livros, viu inúmeros filmes sobre isso e deveria ser maduro emocionalmente e levar na boa. É claro que você não leva. Crescer é legal ao fim de cada processo, quando se olha para trás e se diz: “Nossa, eu sobrevivi”. Mas durante o lance todo, quando não há nenhuma garantia, crescer é uma DROGA.
Não há muito antídotos: é quase  parte daquilo que se chama ciclo da vida. O negócio é arrumar alguns facilitadores. Como as imagens congeladas no tempo, certos momentos que atam o passado e o presente e dão aquele falso e necessário sentido de completude da vida, descansando um pouco a constante falta que é o crescer. Hoje tive a minha predileta: amigos ao redor da mesa, rindo da mesma piada de sempre, esquecendo a piada após a gargalhada, tão crianças querendo brincar de adultos, tão adultos saudosos de serem crianças...
Na cabeça, apenas o verso da primeira música que me lembro de ouvir na tenra infância: “(...) São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer...”.  Acho que até posso perdoar minha tia agora...