Alguma utilidade?

Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Sem fôlego


Ainda ontem você me perguntou por que eu era sempre tão melancólico e eu não soube responder, justo eu, que sempre julgo ter a resposta certa para tudo, mas, veja bem, de melancolia só sei que dói ainda mais fundo na alma depois que perdi a crença em almas, como também sei que me alimenta e vivo sempre satisfeito com minha porção diária de tristeza, minhas várias imagens do sol se pondo no fim dos prédios, no céu alaranjado preguiçoso e sem esperança e na certeza de que morrer seria mais fácil, contudo, eu quero viver, eu gosto da vida e acho que vou fazer coisas úteis ainda, então percebo que isso que me faz querer viver é arrogância, daí quero morrer de novo e você fica cansada de toda essa ladainha, eu sei, meu amor, o que fazer com tantas perguntas, apenas devia te abraçar, te acariciar, transar e me calar, até porque são as mulheres que deviam falar e chorar, segundo a tradição patriarcal ocidental na qual me educaram sem eu pedir, antes eu acreditava tanto nas respostas, não sei quando comecei a flertar com as perguntas e elas foram ficando mais sedutoras e eu mais no fundo do aquário, mais seco imerso mar, mais ofegante no meio da corrida, e eu sei que me avisaram para ir devagar, para tomar fôlego às vezes, só que eu achava que esta era uma prova de cem metros rasos, eu dava conta sem parar, mas depois vi que a vida é uma prova sem marcação de distância, ela transborda para todos os lados e só acaba quando você decide levantar para respirar.

sábado, 8 de setembro de 2012

Sobre onde estamos (será que estamos indo?)


“Cometemos o pecado de não saber perdoar/Sempre olhando para o mesmo lado/Feito estátuas de sal./ Hoje o tempo escorre pelos dedos da nossa mão./Ele não devolve o tempo perdido em vão.”
(Engenheiros do Hawaii – Depois de nós)

Houve um tempo em que acreditei que haveria uma solução para todo esse lance de maturidade. Nunca entendi bem minha geração. Hoje acho que nosso maior erro foi não saber perdoar. Temos tanta raiva e ranço e mágoa dos que vieram antes e do mundo que entregaram para nós que nem cogitamos olhar para nossa volta.
 Essa ladainha pode parecer velha se você leu Freud e suas idéias sobre o “mal-estar na civilização” ou se você curte Sartre e conhece o seu maior conceito-grife, aquele que fala da tal náusea.
                Mas penso que nenhuma geração antes julgou ter tanto o direito de não perdoar. Outras podem ter encarado barras maiores, mas ainda assim tinha uma mágoa bem menor. Alguma coisa parecia sustentar o cotidiano árido. Podia ser uma sina de dogmas acadêmicos e herméticos para sistematizar e canalizar a revolta. Havia a Igreja também, a ciência e seus discursos de saúde. Tudo isso podia pesar naqueles apertos extremos que precedem as grandes atitudes inconseqüentes. Parafraseando Rappa, havia um silêncio, mesmo que por um instante infinitesimal, a preceder o esporro.
                Nós costumamos dizer que nos tiraram tudo isso. A bem da verdade, não nos tiraram nada. No máximo, educaram-nos para a fluidez absoluta e aí fica difícil fixar-se em tábuas rasas de salvação e cilício.
Hoje você pode ir a Igreja, mas tem que emendar um happy-hour depois, até porque adora falar que as instituições religiosas estão falidas ante o monopólio da razão e da ciência. Contudo, no cigarro seguinte, você lembra que os discursos científicos também são um engodo para legitimar o poder numa sociedade tecnocrática e alienada. O discurso social você larga depois do baseado e o político, então? Esse você abandona a cada minuto no espetáculo-midiático nosso de cada dia.
A culpa é de todos. Mas nosso problema maior é não ver que a maior parte dela é nossa. Não vemos porque, insisto e repito, somos vingativos. Não perdoamos, porque a todo instante choramos de inadequação. Há muitas imagens, há muitas redes e vemos tantas vidas possíveis e tantos mundos distantes em tantas vitrines coloridas e psicodélicas que não podemos querer um, temos que querer todos.
                Sentimo-nos sempre como “Carolina”, da música de Chico Buarque e Caetano Veloso, a menina que deixa a vida passar na janela e não vê. A verdade para gente, contudo, é um paradoxo perverso: na mais mal acabada paráfrase do mito da caverna, de Platão, vemos uma janela como um muro de infinitos instantâneos fotográficos e paradisíacos inalcançáveis. O mundo bomba lá fora. A festa corre vinte e quatro horas e não, não podemos perdê-la: não queremos ser como Carolina. Carolina é triste e só tem quatro amigos no Facebook.
                Mas nossa janela é virtual. Simbólica e abstratamente construída. Por trás dessa tela, há só o vazio. Contudo, diferentemente do mito platônico, no qual os personagens que ficam na caverna acreditavam que o mundo distorcido que viam era a única realidade possível, nós sabemos do vazio além do horizonte da nossa janela. E isso dói.
                Aí apelamos para todo o tipo de comportamento hedonista e egoísta. E achamos que temos esse direito. O direito de ser feliz, dizemos. Poderíamos ser mais honestos e dizermos: o direito de fugir sempre. Indo para todos os lugares. Indo para lugar nenhum. Justo, justificável? Claro que não. Alguém precisa ter coragem de encarar o vazio. E construir algo ali. Mais estanque, mais estável, mais seguro. Só que parece que poucos têm. Tenho medo do dia em que não haverá ninguém.
                Lembro-me da pré-adolescência reclusa, da época que escutava muito a banda Engenheiros do Hawaii. Para mim, seu mais belo hino de resistência e aceitação dolorosa do crescimento é a música “Terra de gigantes”. Nela, o eu-lírico pede à mãe que só o acorde quando o sol tiver se posto, pois ele não quer ver seu rosto antes de anoitecer. Hoje sinto que sol já se pôs há anos, a noite já cai pesada, mas ainda assim não queremos ver nosso rosto.