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Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Sobre o derradeiro momento

E era o derradeiro momento. Postado na cama, odiava se descobrir sozinho. Sempre temera que tudo acabasse no silêncio. Era até irônico que fosse surdo e aquele silêncio absoluto o incomodasse. Mas não era o silêncio que antecede o instante de febre, a ânsia do mundo ou o desconhecido atroz. Era o silêncio que precede o nada absoluto, a angústia suprema da humanidade: a morte.
E se estava ali imóvel no leito de hospital, sozinho na escuridão irresoluta da noite, sabia que havia um motivo. Pouco cabia de sua vida ali, de tudo que não fizera, daquilo que não fora ou daquilo que um dia tolamente acreditou ser. Tudo era pequeno, ínfimo, quando entendia o significado magnânimo de findar. Morrer agora era questão de pouco tempo.
Há semanas que estava na cama de hospital, desde o acidente que lhe tirara a audição. Com o tempo que passava, sentia a morte chegar vagarosa, sorrateiramente. Era amargo perceber que entendia muito melhor o mundo quando o separava de seus ruídos sem significado, de seus gritos vãos. O silêncio inerte dos dias que se seguiram alegravam-lhe na mesma proporção que o desesperavam. No momento em que descobria o quanto foram irrisórios seus objetivos até ali, assegurava-se que morreria e não teria tempo de refazê-los .
E ria da ciência, da psicologia, das artes .... de todo esse sonho de grandeza do ser humano, essa tentativa de provar-se mais complexo, incrível e multifacetado que realmente é. Desse delírio chamado sociedade, que oculta nossa pequenez sob a silhueta da razão. No fim, a morte chega para fundir-nos a escuridão noturna e reduzir-nos a mais um ruído que não penetra nos ouvidos surdos de outrem. Mais uma vez, o silêncio.
E pouco queria entender do que significou sua existência. Fora cientista, criara métodos para ir tão longe, fórmulas que dariam ao homem o universo. E estava ali, naquele hospital, em aspecto tão deplorável. Onde está esse sonho de grandeza se, no fim das contas, somos todos iguais perante a “indesejada das gentes”? A morte iguala a todos, muito mais do que a própria vida. A morte dissolve os homens.
A morte é o abandono supremo, a entrega irreversível, o medo tenebroso, a coragem hercúlea, o choro mais prolongado e o pesadelo mais delirante que todo ser humano um dia vai encarar. Ele a encararia agora e, não obstante todas as condições adversas, a morte também seria seu único momento de suprema paz. Talvez por ser a primeira vez que se sentia apenas humano, nem mais, nem menos. Estupidamente humano, esse era seu ultimo sentimento, tão prazeroso quanto se pode imaginar, no derradeiro momento.

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