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Apenas um pouco do que escrevo. Gotas da pretensão que assombra a juventude: a maldita idade lírica, da extrema eloquência com a grande arrogância. Resta apenas desorientação.

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segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Tetro ou sobre a ôpera familiar

É novamente sobre família o mais recente filme de Francis Ford Copolla, diretor dos consagrados “O Poderoso Chefão” e “Apocalipse Now”. Mas não é só sobre isso. Ambientado em uma Buenos Aires de aura boêmia, síntese de qualquer lugar num limbo entre arte e escape, o filme, denominado "Tetro", começa expondo a relação entre dois irmãos e segue expandindo-se num crescente operístico que ganha aura de saga. Ângelo é o irmão rebelde, foge a todo custo do progenitor. Mas toda esta ausência é o constante anúncio de que a figura paterna transborda e resvala, preenchendo cada poro de uma vida que parece suspensa até segunda ordem. Talvez até a morte do pai. Freud aqui grita, assusta, espanta: é a principal companhia de Ângelo em cada noite mal dormida.
Então chega Benjamim, o irmão mais novo. O irmão que não sabe da origem. Para Ângelo, há um pai que sempre parecerá excesso. Para Benjamin, uma falta. E a escrita de Ângelo, com suas linhas em código, é o fiel desta balança desequilibrada: ponte para uma verdade que parece obscena demais para ser dita. E pesada demais para ser encoberta.
E todo tom operístico que ronda o filme serve de analogia para a condição de uma família que desmonta. “Rivalidade”, dirá Bejamin, em um dos quadros finais: eis a razão da ruína. Alguém sempre quer ser maestro e coordenar todos os acordes.
Mas Copolla parece querer ensinar que a busca pela harmonia, fundamental nos conjuntos musicais, não tem nada a ver com famílias. São as dissonâncias que garantem o frágil equilíbrio. Dissonância marcada nas lembranças coloridas, em contraste com a aridez do presente em tons de cinza.
A fotografia em preto e branco é de uma beleza absurda. Tão absurda que chega a doer.
A certeza que sobra deve ser colhida com cautela. Ela ensina que há muito estampado pela família em cada indivíduo. No início e no fim. Uma espécie de herança coletiva a ser digerida sozinha. Deve ser tratada como um meio segredo. Algo sobre o que se entende um pouco, mas prefere-se não explicar. Da ordem da confissão silenciosa. Como a grande arte. Como as luzes brancas que fascinam os dois irmãos, mas para as quais nunca devem olhar diretamente.
Acusado de pretensioso pela crítica, Tetro me pareceu cinema de qualidade como há muito não via.

Um comentário:

  1. Meu ex-futuro editor!
    Agora vejo que os papéis se inverteram definitivamente..
    Parabéns meu irmão de longa data!Muito bem escrito,muita emoção e significado em palavras sutis e contidas..
    Já me tornei fã incontido!
    Um grande abraço

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